quarta-feira, 12 de julho de 2023

Pontos Discutíveis no Movimento Neopentecostal

Por Wemerson Marinho O movimento neopentecostal cresce muito atualmente. No entanto, esse crescimento não nos impede de questioná-lo, pois, afinal, nós somos vítimas do pragmatismo [1] carismático, que pensa que, se algo deu certo, só pode ser bom e verdadeiro. A nossa base de julgamento é a Palavra, nossa regra de fé e prática. Sem a pretensão de fazer uma abordagem técnica sobre o assunto, discorreremos sobre alguns pontos discutíveis desse movimento, analisando-o sob três perspectivas: a eclesiológica, a teológica e a prática. Salientamos que estaremos abordando o tema neopentecostalismo [2] e não sobre o movimento pentecostal [3]. Sobretudo, não é nossa intenção atacá-lo como movimento em si, mas apenas refletir sobre os pontos listados acima. Pontos discutíveis da Eclesiologia [4] Neopentecostal Nossa abordagem irá explorar apenas três itens: o culto, a evangelização e o ofício ministerial. a) O culto neopentecostal Temos entendido que o propósito exclusivo de um culto é a adoração a Deus e a edificação da alma adoradora. Contudo, não se pode dizer que a igreja neopentecostal tem seguido este propósito, isto porque a ênfase dos seus cultos, geralmente, não é a glória de Deus. Na "igreja neopentecostal", o conceito de culto é ambíguo, pois, ao invés de se cultuar, fazem-se "campanhas" de cura, revelação, prosperidade, etc. Desta forma, se Deus comparecer nestes "cultos", terá que ser para servir a agenda semanal das tais igrejas e não para ser adorado. A liturgia deles é cheia de "glória a Deus", mas é tão desvirtuada de um padrão bíblico que a ênfase recai sobre fenômenos (pouco comprovados) como curas, milagres e testemunhos, muitos dos quais enfadonhos e que resultam mais em projeção pessoal do que em exaltação ao Senhor. As pregações, quando não são pura aberração, são cheias de confissões positivas do tipo: "Você vai prosperar, use sua fé e prospere, hoje Jesus vai te curar, Deus vai mudar sua vida..." Não existe, portanto, na maioria destas igrejas, uma exposição das Escrituras sequer razoável, capaz de tirar o leigo da ignorância teológica total. Por este fato, quase sempre a palavra do líder tem um valor relativo ao da Palavra de Deus e o que ele determina passa a ser seguido como regra de fé e prática. Esta valorização da "tradição oral" não difere muito da atitude de uma igreja que se chama primitiva, cujo chefe supremo é considerado infalível no que fala e somente agora, por pressão evangélica, é tolerante com a leitura bíblica. Outro problema é o que o culto neopentecostal, que não tem espaço para a adoração, corrompe-se mais ainda com a demasiada cobrança de oferta dos fiéis (quase sempre prometendo a estes soluções da parte de Deus) o que tem dado a estes "cultos" um caráter mercantilista e explorador. Não somos contrários a se pedirem ofertas, diga-se de passagem, mas não concordamos com a falta de bom senso e critério bíblico na administração destas coisas no culto a Deus. b) A Evangelização Neopentecostal A evangelização do movimento neopentecostal apresenta um problema seriíssimo, que é o proselitismo [5], característica inconfundível das seitas. Muitos deles são do tipo que "pescam no aquário dos outros" por alimentarem a crença de que são os detentores da verdade, enquanto os demais estão enganados. A igreja verdadeira não faz prosélitos, faz discípulos. A busca do crescimento numérico por meio do proselitismo é no mínimo insensata, pois podemos até persuadir alguém a ser um religioso, mas só Deus pode transformá-lo em nova criatura. (Às vezes penso que as campanhas evangelísticas de nossos dias têm mais aparência proselitista do que evangelística, afinal, a maioria delas é realizada para crentes.) Outro problema relacionado à evangelização do movimento neopentecostal é a exagerada dependência da mídia. O uso da mídia é, sem dúvida, muito importante para a igreja, mas a dependência da mesma significa a insubordinação ao Espírito. Antigamente a igreja crescia sob a influência do Espírito e trabalho de evangelização pessoal; hoje, a estratégia de algumas igrejas tem sido a de colocar um anúncio apelativo no rádio ou televisão, convidando as pessoas e prometendo-lhes a solução de seus problemas. E eu pergunto: qual igreja que promete cura, paz, prosperidade e solução de conflitos familiares, que não vai crescer? No entanto, praticando isto a igreja deixa de ser igreja do IDE e passa a ser igreja do VINDE, a evangelização passa a ser estratégia de marketing e os que se "convertem" para a igreja, passam a ser clientes e não ovelhas. Ademais, o evangelismo neopentecostal carece de um conteúdo teológico, que é essencial para a elucidação de verdades elementares da fé cristã. Suas estratégias são pregar promessas de uma realidade virtual e não pregar um evangelho de genuíno, o evangelho de Jesus. c) O Ofício Ministerial Neopentecostal Enquanto nas igrejas históricas os candidatos ao ministério pastoral passam por uma preparação e zelosa avaliação quanto ao caráter e chamado, no movimento neopentecostal qualquer um pode ser "pastor". Os critérios baseiam-se em saber pregar, falar línguas estranhas, ter sido revelado, etc e, por esta razão, muitos líderes neopentecostais são tão desvirtuados dos caracteres de um verdadeiro homem chamado ao ministério. Poucos são aqueles que tem alguma preparação teológica. Segundo Paulo, as características de um homem apto para o ministério devem estar relacionadas ao seu caráter irrepreensível, com sua capacidade de ensinar, com sua boa administração do lar, com sua competência nos relacionamentos, com sua boa conduta para com o mundo, etc (1 Tm 3). Além de tudo, cada pastor neopentecostal é livre pensador, ou seja, pode pregar o que acredita, sem a supervisão de ninguém, o que favorece ao surgimento de tendências heréticas e inovações doutrinárias no meio deles. E quando são questionados por alguma autoridade, se revoltam e abrem suas próprias igrejas dirigindo-as como bem lhes apetece. Tendo falado sobre a questão eclesiológica da igreja neopentecostal, apresentaremos agora alguns pontos teológicos questionáveis que eles sustentam. Pontos Discutíveis da Teologia Neopentecostal O Rev. Roberto Laranjo, em seu artigo O Neopentecostalismo e suas implicações, publicado pela revista Rhêmata [6] , destaca três tópicos teológicos que o neopentecostalismo interpreta de forma questionável. Tomaremos sua sugestão de tópicos para refletirmos sobre a teologia neopentecostal: a) A Exclusividade das Escrituras Os neopentecostais afirmam que a Bíblia é a Palavra de Deus e, com isto, nós concordamos. Mas para eles a palavra dos "profetas", dos visionários também é a Palavra de Deus. E por isto baseiam suas vidas e suas doutrinas também em visões, "novas revelações" e em experiências místicas. A Bíblia é a revelação perfeita e final de Deus para o homem; visões e profecias, foram acessórios usados neste processo de formação da Sagrada Escritura. Hoje porém, temos a fé de que a Palavra de Deus é viva, eficaz e suficiente (HB4.12) sendo esta a nossa única regra de fé e prática. E uma vez que o cânon [7] do Novo Testamento foi concluído, devemos nos apoiar apenas na Palavra e em nada mais. Não ignoramos a iluminação do Espírito propiciada para que entendamos mais profundamente a Palavra, mas negamos que sejam necessárias "novas revelações". Em Jo 16.13 o Senhor Jesus diz que o Espírito nos guiaria em toda a verdade e não que nos revelaria "novas verdades". b) A Trindade A maioria deles defende a doutrina da Trindade, como nós também; porém a pessoa mais enfatizada no culto neopentecostal é o Espírito Santo. Praticamente tudo no culto é atribuído ao Espírito, cura, expulsão de demônios, decisões, etc. Com isso, o papel das outras pessoas da Trindade é ignorado. Parece que eles consideram o Espírito superior aos demais membros da divindade, ou pelo menos, mais importante. No entanto, a Bíblia diz que o Filho glorifica o Pai e, o Espírito, glorifica o Filho, que por sua vez, derrama o Espírito que faz o homem orar ao Pai em nome de Jesus (Jo 13. 32; 14.13; 16.14). A verdade é que, embora a Divindade seja composta de três Pessoas distintas, elas formam uma unidade essencial perfeita. De forma que é impossível um existir e agir sem a participação de todo o conselho divino . c) A Superficialidade Espiritual Devido à ênfase na liturgia envolvente, nas curas e nos exorcismos, os neopentecostais são, na sua maioria, superficiais na fé e no conhecimento das Escrituras. Este superficialismo os faz presa fácil de perniciosas heresias e de lobos vestidos de cordeiro. Por isto também é que as comunidades neopentecostais são tão suscetíveis ao empirismo [8] , misticismo [9] , materialismo e muitas outras tendências tão nocivas à fé cristã. O resultado desta superficialidade é a imaturidade manifesta numa vida carnal não experimentada no fruto do Espírito Santo. Não estamos dizendo que todos os neopentecostais são leigos, por que não são. Contudo, a hermenêutica deles é profundamente comprometida com "novas revelações" o que os faz suscetíveis a tendenciosidade. d) Quanto à Salvação O pensamento deles sobre salvação não se limita a considerá-la apenas obra do Espírito, mas a ensinam como produto da cooperação humana, A salvação torna-se, portanto, tão inflacionável como nossa economia: hoje tenho, mas amanhã posso ter perdido. Contudo, a Bíblia ensina com muita segurança que a salvação é pela graça e não por méritos previstos ou praticados pelo homem, 2 Tm 1.9, e que a salvação é eterna, Hb 5.9. O conceito arminiano [10] tem larga expressão e até sofre uma radicalização dentro do neopentecostalismo. Como conseqüência, alguns se revestem de um humanismo tão grande, à semelhança de Erasmo de Roterdam [11] , que chegam a pregar que Deus depende carentemente da vontade humana para realizar seus desígnos e, que se o homem não quiser, Deus não pode fazer nada senão esperar até o dia que tal pessoa resolver dar uma chance para Ele. Este, sinceramente, não é o meu Deus, nem o revelado na Bíblia e na história como soberano, criador e mantenedor de todas as coisas. Estas exaltações do "livre arbítrio humanas" são contrárias à Soberania de Deus. Se falarmos de liberdade de escolher no homem, não nos esqueçamos da liberdade de escolher de Deus. E não é injusto Deus fazer o que lhe aprouve, assim como não é injusto você queimar seu carro se o desejar fazer. Pontos Discutíveis da Prática Neopentecostal Este tópico pode parecer um pouco estranho, tendo em vista que já abordamos a prática eclesiológica e teológica neopentecostal. Eu poderia dar outro título, pois não me faltariam opções, contudo, eu quero abordar aqui a conclusão prática dos dois tópicos acima. Ou seja, o resultado de uma eclesiologia e teologia distorcida é uma praxe confusa e antibíblica. Vejamos, pois, algumas praxes neopentecostais cuja natureza são incoerentes com o ensino bíblico. a) A Prática Mística Neopentecostal Misticismo é o conjunto de normas e práticas que tem por objetivo alcançar uma comunhão direta com Deus. O problema é que quase sempre, os místicos são induzidos a prescindir da Bíblia e a se basear apenas em suas experiências. Este é um dos grandes problemas dos neopentecostais, pois eles colocam suas experiências acima da Bíblia e dão a ela uma interpretação particular fora dos recursos hermenêuticos. O Misticismo neopentecostal é a mistura de figuras, objetos e símbolos para representarem coisas espirituais. Eles tomam figuras do Antigo e Novo Testamento e as espiritualizam, transformando-as em "proteções" semelhantes às usadas pelas magias pagãs. Deste ato, aparecem crentes com fitinhas no braço, com medalhas de símbolos bíblicos, ungindo portas e janelas com azeite, colocando sal ao redor da casa para impedir a entrada de maus espíritos; outros bebem copos de água abençoada, usam óleos consagrados em Jerusalém, guardam gravetos que misteriosamente aparecem brilhando nos montes, ungem roupas para libertar as pessoas e etc. Estas coisas se estabelecem como pontos de contato e não passam de artifícios que roubam o lugar da fé e da eficácia da obra de Cristo. Esta prática é rejeitada tantos pelos Pentecostais como pelas Igrejas Históricas, visto ser uma fruto de uma doutrina pagã que visa estabelecer por meio de objetos um ponto de contato entre Deus e o homem. As magias pagãs estabelecem como pontos de contatos objetos como amuletos, talismãs, patuás, cristais, pedras e coisas para "proteção". Basicamente, a cosmologia neopentecostal brasileira é sincretizada pelo cristianismo europeu, pelo animismo [12] dos índios e pelo fetichismo [13] dos africanos. O animismo prega que existe uma alma ou poder, a permear cada objeto. E o fetichismo manifesta-se na cultuação, veneração ou uso religioso de um objeto que representa uma pessoa, coisa, divindade ou ritual. Estas práticas pagãs não possuem uma relação muito intima com os pontos de contato [14] ? Tais ensinos anulam a obra de Cristo, criando um novo meio de justificação ou arranjando um amuleto de fé para as pessoas se apoiarem. O problema é que tais pessoas acabam baseando sua fé em objetos assim como fez Gideão (Jz 8.27). A questão não é se Jesus ou os apóstolos usou algumas vezes objetos em suas ministrações, mas no que isto pode implicar. O ponto de contato dos verdadeiros cristãos é a fé em Jesus, pois Ele é o único mediador entre Deus e o homem. b) A Prática Legalista e Liberal do Neopentecostalismo Em matéria de ética, os neopentecostais em geral se comportam de forma legalista [15] ou "liberal" [16] , sendo poucos deles equilibrados. Os legalistas enfatizam, sobretudo, a observância dos usos e costumes como um processo de santificação e preparação para a salvação. Desenvolvem um "evangelho ascético" [17], que opta pela "mortificação da carne", isolamento social e confinamento espiritual como um tipo de disciplina pessoal. Os "liberais" já não se importam com mudança de vida; preocupam-se apenas com prosperidade, saúde e felicidade neste mundo. Estes últimos vivem uma espécie de "evangelho hedonista16 " que enfatiza apenas o prazer como o fim último da vida. Somente um entendimento correto acerca da doutrina da graça de Deus, poderia conduzir estas pessoas a uma coerência bíblica e, conseqüentemente, a uma prática religiosa sadia. Enfim, existem ainda muitos pontos discutíveis do neopentecostalismo que aqui não apresentamos, no entanto, esta abordagem dará a você uma visão geral do movimento. É bom lembrar que nossa exposição não é contra os crentes, mas contra o sistema neopentecostal. NOTAS [1] - Filosofia que prega que a verdade é medida pelos efeitos que produz, basicamente, se deu certo é verdade, se não, não é verdade. [2] - Movimento surgido em meados XX que enfatizava o batismo com o Espírito Santo e os dons espirituais, dinamizando o método litúrgico e incluindo em sua teologia, doutrinas rejeitadas pela fé apostólica e ortodoxa. [3] - Movimento evangélico surgido no Estados Unidos no início do século XX que enfatizava o batismo com Espírito Santo como uma bênção subseqüente à conversão e a contemporaneidade dos dons espirituais . [4] - Matéria da teologia sistemática que estuda a respeito da igreja. [5] - Pessoa que abraça uma religião ou uma doutrina. Fazer proselitismo é tentar converter alguém a uma religião. [6] - Revista de escola dominical publicada pela Igreja Presbiteriana semestralmente em Ipatinga. [7] - Conjunto de livros que compõem o Novo e Velho Testamento que foram reconhecidos pela igreja cristã como inspirados por Deus. [8] - Doutrina que prega que todo o conhecimento adquirido pelo homem passa necessariamente pelos sentidos. [9] - Conjunto de normas e práticas quem tem por objetivo alcançar uma comunhão direta com Deus. O problema que os místicos sempre exaltam a experiência em detrimento a Palavra. [10] - É uma doutrina elaborada como uma enérgica reação à teologia de Calvinista. [Para conhecer melhor este tema, leia o texto: Os Cinco Pontos do Calvinismo.] [11] - Teólogo humanista que se opôs a Lutero na questão da livre arbitro. [12] - Crença de que existe uma alma a permear cada objeto. Para o animista todo o objeto tem alma ou poder e, basicamente, esta é uma crença dos índios. [13] - Fetiche é um objeto de culto forte que possui associação simbólica com o ritual, divindade, pessoa ou coisa que representa. [14] - São objetos usados como meios de se transmitir uma bênção, ou uma cura, etc. [15] - Aquele que pratica o legalismo, sistema que enfatiza as obras como coadjuvantes na salvação. [16] - Esta expressão denota as pregações modernas que centram-se no oferecimento de prazer, prosperidade e saúde. [17] - Esta expressão faz referência a um tipo de pregação que enfatiza o legalismo. Wemerson Marinho é membro da Igreja Presbiteriana do Cariru Ipatinga, Bacharelando em Teologia e diretor da Revista de Estudos Renascer. http://www.monergismo.com/ Este site da web é uma realização de Felipe Sabino de Araújo Neto® Proclamando o Evangelho Genuíno de CRISTO JESUS, que é o poder de DEUS para salvação de todo aquele que crê. TOPO DA PÁGINA Estamos às ordens para comentários e sugestões. Livros Recomendados Recomendamos os sites abaixo: Academia Calvínia/Arquivo Spurgeon/ Arthur Pink / IPCB / Solano Portela /Textos da reforma / Thirdmill Editora Cultura Cristã /Editora Fiel / Editora Os Puritanos / Editora PES / Editora Vida Nova

sábado, 6 de abril de 2019

Igreja acolhedora ou desigrejados

Por: Augustus Nicodemus Lopes IGREJA ACOLHEDORA OU DESIGREJADOS REFORMADOS Tive o privilégio nesses muitos anos de pastorado de servir em igrejas de grande porte e com número crescente de novos membros. Existem muitas vantagens e oportunidades em igrejas numericamente fortes. Por outro lado, há também algumas áreas que representam um desafio. Um deles é o de ser uma igreja acolhedora e que promova a integração dos novos membros. Temos de agradecer a Deus pelo crescimento do número de pessoas em todo Brasil interessadas em conhecer mais a Palavra de Deus e se relacionar de maneira significativa com ele. Muitas dessas pessoas procuram igrejas históricas e tradicionais que são conhecidas pela firmeza doutrinária e pela solidez de seu ensino. Contudo, não poucas dessas pessoas frequentam apenas por um breve tempo essas igrejas e saem delas, por não se sentirem acolhidas e nem por conseguirem fazer parte da comunidade. O que ocorre é que em muitas dessas igrejas históricas os membros mais antigos se conhecem, se casam entre si, são parentes e amigos, cresceram juntos e formam uma espécie de núcleo original e fundacional da igreja que é fechado e de difícil acesso para outros. Por um lado, esse fato inegável traz solidez, continuidade, identidade e segurança à igreja como instituição. Por outro, se não houver a graça necessária, esse fato se torna um empecilho para a chegada de novos membros, da formação de uma nova liderança e do acolhimento da próxima geração que não será necessariamente formada pelos filhos e netos do núcleo central. Penso que os seguintes pontos devem ser levados em consideração por todos os membros de igrejas históricas numerosas e crescentes. Primeiro, Deus está agindo no mundo e chamando seus eleitos, a verdadeira igreja de Cristo. Para nós é um grande privilégio receber essas pessoas e acolhê-las junto conosco, pois somos parte do mesmo corpo. Segundo, essas pessoas virão de tradições diferentes, de igrejas diferentes, de costumes e práticas diferentes. Muitas serão tatuadas, outras pintarão o cabelo de verde, outras vão estranhar o nosso “culto frio”, outras não estão acostumadas com a estrutura de uma igreja presbiteriana e suas sociedades internas. Mas estão vindo porque querem ouvir a Palavra de Deus. Terceiro, a igreja não nos pertence, mas ao Senhor. Ela não existe como um local confortável e seguro onde nos abrigamos aos domingos, mas como um local de desafio ao nosso conforto e nossa segurança. Quatro, devemos estar sempre abertos para mudar e adaptar em nossa estrutura e em nosso culto aquilo que não é requerido pela Palavra de Deus e nossos símbolos de fé, com o fim de atendermos e acolhermos melhor a nova geração que chega. Esse processo é dirigido pelo Espírito de Deus através dos pastores e presbíteros que foram eleitos como líderes espirituais da comunidade, mas sem a participação e o engajamento de cada membro, essas igrejas irão experimentar um fenômeno já conhecido: verão a chegada da primeira onda dos interessados na fé reformada e os verão em seguida se retirando para se tornarem desigrejados ou crentes de internet. Fale com os visitantes. Receba-os com um abraço. Converse com eles. Convide-os para participar das reuniões, grupos e eventos da igreja. Se interesse pela vida deles. Marque uma visita. Faça-os se sentirem que a igreja oferece, além de boa doutrina, aquela fraternidade recomendada pelo Senhor.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

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! BLOG DO PASTOR GUEDES: MAIS FALSOS ENSINOS DO FALSO APÓSTOLO MIGUEL ÂNGEL...: Queridos Irmãos e Amigos, o que segue é o desfecho dos estudos do Pr. Natanael Rinaldi, meu ex-professor de Heresiologia, sobre os falsos...

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! BLOG DO PASTOR GUEDES: APÓSTOLO MIGUEL ÂNGELO, UM FALSO PROFETA?: Já há algum tempo que queria escrever sobre os atuais falsos apóstolos, mas não tive tempo de pesquisar, por isso ao encontrar esse e...

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O Tempora, O Mores: Isaque e Rebeca: Base para Viver Juntos sem Casar?...

O Tempora, O Mores: Isaque e Rebeca: Base para Viver Juntos sem Casar?...: Alguns queridos amigos têm apelado para o episódio do encontro de Isaque com Rebeca como base para sua posição de que, na Bíblia, o casame...

sábado, 23 de janeiro de 2016

A TEOLOGIA DE JOÃO CALVINO

Por: Alderi Souza de Matos As concepções teológicas do reformador João Calvino (1509-1564) estão contidas na sua vasta obra, especialmente em seu opus magnum, a Instituição da Religião Cristã ou Institutas. 1. AS INSTITUTAS No prefácio da 1ª Edição das Institutas (1536), Calvino afirmou o seguinte: “Pretendi apenas fornecer algum ensino elementar através do qual qualquer pessoa que tenha sido tocada por um interesse na religião pudesse ser educada na verdadeira piedade. E fui especialmente diligente nessa obra por causa do nosso próprio povo da França. Vi muitos deles com fome e sede de Cristo, mas muito poucos imbuídos com até mesmo um pequeno conhecimento dele. Que é isto que propus, o próprio livro testifica através de sua forma de ensino simples e até mesmo rudimentar”. Essa primeira edição tinha apenas seis capítulos, que tratavam dos seguintes temas: (1) A lei: exposição do Decálogo; (2) A fé: exposição do Credo dos Apóstolos; (3) A oração: exposição da Oração Dominical; (4) Os sacramentos; (5) Os cinco falsos sacramentos; (6) A liberdade cristã, o poder eclesiástico e a administração política. Na 2ª edição das Institutas (1539), o reformador passou a ter outro objetivo em mente: “Minha intenção nesta obra foi preparar e treinar de tal modo na leitura da Palavra Divina os aspirantes à teologia sagrada que eles possam ter fácil acesso à mesma e depois nela prossigam sem tropeçar. Pois penso que abrangi de tal maneira a suma da religião em todas as suas partes, dispondo-a em ordem, que todos os que a assimilarem corretamente não terão dificuldade em determinar tanto o que devemos buscar de modo especial nas Escrituras quanto para que objetivo devem direcionar tudo o que está contido nas Escrituras”. 2. CATEGORIAS DE ESCRITOS As concepções teológicas de Calvino se encontram em seis categorias de escritos: 1. As Institutas: Calvino produziu ao todo oito edições do texto latino (1536-1559) e cinco traduções para o francês. A 1ª edição tinha apenas seis capítulos; a última totalizou oitenta. Equivale em tamanho ao Antigo Testamento mais os Evangelhos sinóticos e segue o padrão geral do Credo dos Apóstolos. Visava ser um guia para o estudo das Escrituras. Livro I: O Conhecimento de Deus, o Criador: o duplo conhecimento de Deus, as Escrituras, a Trindade, a criação e a providência. Livro II: O Conhecimento de Deus, o Redentor: a queda e a corrupção humana, a Lei, o Antigo e o Novo Testamento, Cristo o Mediador – sua pessoa (profeta, sacerdote, rei) e sua obra (expiação). Livro III: A Maneira Como Recebemos a Graça de Cristo, Seus Benefícios e Efeitos: fé e regeneração, arrependimento, vida cristã, justificação, predestinação, ressurreição final. Livro IV: Os Meios Externos Pelos Quais Deus nos Convida Para a Sociedade de Cristo: a igreja, os sacramentos, o governo civil. 2. Comentários: são um complemento das Institutas. Calvino escreveu comentários de todos os livros do Novo Testamento, exceto 2 e 3 João e Apocalipse, e sobre o Pentateuco, Josué, Salmos e Isaías. 3. Sermões: Calvino expunha sistematicamente os livros da Bíblia. Ele costumava pregar sobre o Novo Testamento aos domingos e sobre o Velho Testamento durante a semana. Seus sermões eram anotados taquigraficamente por um grupo de leais refugiados franceses. A série Corpus Reformatorum contém 872 sermões de Calvino. 4. Folhetos e tratados: temas apologéticos (contra católicos e anabatistas) e gerais. 5. Cartas: escritas a outros reformadores, soberanos, igrejas perseguidas e protestantes encarcerados, pastores, colportores. 6. Escritos litúrgicos e catequéticos: confissão de fé, catecismo, saltério. 3. A PERSPECTIVA TEOLÓGICA DE CALVINO 3.1. O conhecimento de Deus • A verdadeira sabedoria consiste de dois elementos: o conhecimento de Deus e o conhecimento de nós mesmos. Daí a importância da revelação. Não podemos conhecer a Deus em sua essência, mas somente na medida em que ele se dá a conhecer a nós. • Existe um duplo conhecimento de Deus: como criador e como redentor. Todo ser humano é essencialmente uma criatura religiosa, tendo em si a “semente da religião”. Deus se revela não só através desse senso inato de si mesmo, mas também através das maravilhas da criação. • Esse conhecimento de Deus revelado na natureza exige uma resposta humana, seja de piedade ou idolatria. O fim último da piedade não é a salvação individual, mas a glória de Deus. 3.2. A condição humana • O pecado torna a revelação natural totalmente insuficiente para o correto conhecimento de Deus. Ela tem somente uma função negativa – deixar os seres humanos inescusáveis por sua idolatria. O ser humano encontra-se perdido como que em um labirinto. A imagem de Deus ainda permanece nele, mas foi totalmente distorcida e desfigurada. 3.3. O Deus que se revela • Todo verdadeiro conhecimento de Deus decorre do fato de que Deus, em sua misericórdia, houve por bem revelar-se. Calvino usa aqui o conceito de “acomodação” ou adaptação. Deus desce ao nosso nível, adapta-se à nossa capacidade. Vemos isso na encarnação, nas Escrituras, nos sacramentos e na pregação. • Nas Escrituras, Deus balbucia a nós, fala-nos como uma ama fala a um bebê. Outra figura: a Bíblia é como óculos divinos para os que são espiritualmente míopes. Assim, a verdadeira teologia é uma reverente reflexão sobre a revelação escrita de Deus; não deve, pois, perder-se em “vãs especulações”, mas ater-se às Escrituras. 3.4. A doutrina das Escrituras • A Bíblia é a Palavra de Deus inspirada, revelada em linguagem humana e confirmada ao crente pelo testemunho interno do Espírito Santo. Calvino tratava o texto bíblico tanto reverentemente quanto criticamente (por exemplo, At 7.14 e Gn 46.27). A capacidade de reconhecer a Bíblia como a Palavra de Deus não depende de provas, mas é um dom gratuito do próprio Deus. • Calvino afirma a unidade entre a Palavra e o Espírito contra dois erros opostos. Os católicos subestimavam o papel da iluminação ao subordinarem as Escrituras à igreja. Calvino, como Lutero, afirmou que as Escrituras foram o ventre do qual nasceu a igreja, e não vice-versa. Por outro lado, os “fanáticos” concentravam-se de tal modo no Espírito que subestimavam a Palavra escrita. • Toda a teologia de Calvino foi elaborada dentro destes parâmetros: a objetividade da revelação divina nas Escrituras e o testemunho iluminador do Espírito Santo no crente. A verdadeira teologia deve manter-se dentro dos limites da revelação. • A função principal das Escrituras é a nossa edificação, capacitando-nos a ver o que de outro modo seria impossível. Seu propósito é revelar o que precisamos saber sobre Deus e nós mesmos. 4. O DEUS QUE AGE 4.1. O Deus trino • Calvino deu mais atenção à doutrina da trindade que Lutero ou Zuínglio. Ele basicamente sustentou a doutrina da igreja antiga de que Deus é uma única essência que subsiste em três pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Ele advertiu quanto a especulações sobre o mistério da essência divina e recusou-se a torcer a Escrituras para sustentar essa doutrina. • Como no caso de Atanásio, no quarto século, a Trindade era fundamental por ser um testemunho da divindade de Jesus Cristo e, assim, da certeza da salvação realizada por ele. Somente alguém que era verdadeiramente Deus poderia redimir os que estavam totalmente perdidos. • A fé na trindade é confessada na liturgia do batismo e na doxologia, não para definir plenamente o ser de Deus, mas somente para permanecer em silêncio diante do mistério da sua presença (Agostinho). 4.2. Criação • A seguir, ainda no Livro I das Institutas, Calvino descreve a atividade de Deus em relação ao mundo na criação e na providência. O mundo criado é o “deslumbrante teatro” da glória de Deus. Depois que as pessoas são iluminadas pelo Espírito Santo e têm o auxílio dos “óculos” das Escrituras, a criação pode fornecer um conhecimento de Deus mais lúcido e edificante (teologia da natureza), fortalecendo a fé dos crentes. • Deus criou o mundo a partir do nada (ex nihilo). O mundo foi criado para a glória de Deus, mas também para o benefício da humanidade. Os crentes devem contemplar a bondade de Deus em sua criação de tal modo que seus próprios corações sejam despertados para o louvor (Jonathan Edwards). 4.3. Providência • Calvino reflete acerca do caráter precário e incerto da vida humana sobre a terra. Sua doutrina da providência não reflete um otimismo piedoso, mas resulta de uma avaliação realista das vicissitudes da vida e da ansiedade que elas produzem. • Ele critica duas concepções errôneas: o fatalismo e o deísmo. A doutrina estóica do destino pressupõe que todos os eventos são governados pela necessidade da natureza. Calvino pondera que, na concepção cristã, o “regente e governador de todas as coisas” não é uma força impessoal, mas o Criador pessoal do universo, que em sua sabedoria decretou desde a eternidade o que iria fazer e agora em seu poder realiza o que decretou. • Ele também combate a idéia de que Deus fez o mundo no princípio, mas depois o deixou entregue a si mesmo. Como mostram as Escrituras, Deus está contínua e eficazmente envolvido no governo da sua criação. Assim, a providência é uma espécie de continuação do processo criador, tanto nos grandes como nos pequenos eventos. • Essa ênfase na atividade imediata e direta de Deus no mundo leva Calvino a rejeitar a teoria traducianista da origem da alma, a idéia de que a alma é transmitida de geração a geração pelo processo da procriação humana (Lutero). Calvino cria que, toda vez que uma criança é gerada, Deus cria uma nova alma ex nihilo. • Apesar de sua interação direta com o mundo, Deus também pode usar causas secundárias para realizar a sua vontade. Ele pode até mesmo usar instrumentos maus (como Satanás e suas hostes), transformando o mal em bem. • Se Deus decreta cada evento, onde fica a responsabilidade humana? Calvino responde que a providência de Deus não atua de modo a negar ou tornar desnecessário o esforço humano. As próprias ações humanas são um dos meios pelos quais Deus realiza os seus propósitos. • O governo divino de todos os eventos não torna Deus o autor do pecado? Assim como Lutero, Calvino distingue entre a vontade revelada e a vontade oculta de Deus. Ao enviar Cristo para a cruz, a Bíblia diz que Herodes e Pilatos estavam cumprindo o que Deus havia determinado (Atos 4.27-28). Ao mesmo tempo, eles também estavam violando a vontade expressa de Deus revelada em sua lei. • Vez após vez Calvino apela ao mistério e incompreensibilidade das ações de Deus. O problema do mal é tão difícil precisamente porque não podemos entender como as tragédias da vida contribuem para a maior glória de Deus. • A fé verdadeira percebe que, por trás dos sofrimentos, que em si mesmos são maus, existe um Pai de justiça, sabedoria e amor que prometeu nunca abandonar-nos. Nessas questões, não se pode submeter Deus aos padrões humanos de julgamento. 5. O CRISTO QUE SALVA 5.1. A doutrina do pecado • A partir do Livro II das Institutas, Calvino trata de Deus, o Redentor. Calvino geralmente é visto como o autor de uma concepção totalmente pessimista do ser humano. Todavia, o reformador sempre mostrou profunda apreciação pelas realizações humanas na ciência, literatura, arte e outras áreas, atribuindo-as à graça comum de Deus. A imagem de Deus no ser humano está terrivelmente deformada, mas não inteiramente apagada. • Todavia, as muitas virtudes e dons da natureza humana nada valem para alcançar a justificação. Para entender plenamente a natureza humana, é preciso olhar para Jesus Cristo, o verdadeiro ser humano. • Calvino define o pecado original como “uma depravação e corrupção hereditária de nossa natureza, difundida em todas as partes da alma, que primeiramente nos torna sujeitos à ira de Deus e depois também produz em nós aquelas obras que a Escritura chama de ‘obras da carne’” (Inst., 2.1.8). • Vale destacar dois aspectos: (a) não podemos simplesmente culpar Adão por nossa condição pecaminosa; o pecado de Adão é também o nosso pecado; (b) o pecado original não se limita a uma dimensão da pessoa humana, mas permeia toda a vida e a personalidade. • Pecado não é somente o ato, mas a inclinação da própria natureza humana em sua condição decaída. Cometemos pecados porque somos pecadores. A essência do pecado de Adão, que se repete em diferentes graus nos seus descendentes, é orgulho, desobediência, incredulidade e ingratidão. Somente a consciência da nossa total pecaminosidade pode preparar-nos para ouvir as boas novas da libertação do pecado através de Jesus Cristo. 5.2. A pessoa de Cristo • A teologia de Calvino é profundamente cristocêntrica e o tema que domina a sua cristologia não é o conhecimento de Cristo em sua essência, mas em seu papel salvífico como Mediador. A revelação de Deus em Cristo é o supremo exemplo da sua acomodação à capacidade humana. Precisamos de um Mediador tanto por sermos pecadores quanto por sermos criaturas. • Cristo como Mediador é verdadeiro Deus e verdadeiro homem (1 Tm 3.16). Ele é o Verbo eterno de Deus gerado do Pai antes de todas as eras, que, em sua encarnação, ocultou a sua divindade sob o “véu” da sua carne. • Uma formulação peculiar da cristologia de Calvino é o chamado extra Calvinisticum: a noção de que o Filho de Deus tinha uma existência “também fora da carne”. VerInstitutas 2.13.4. 5.3. A obra de Cristo • Mais importante que conhecer a essência de Cristo é conhecer com que propósito ele foi enviado pelo Pai. Calvino explicou a obra de Cristo em conexão com o seu tríplice ofício de Profeta, Rei e Sacerdote, todos os quais eram ungidos no Antigo Testamento, prefigurando o Messias. • Como Profeta, ele foi ungido pelo Espírito para ser arauto e testemunha da graça de Deus, fazendo-o através do seu ministério de ensino e pregação. Na qualidade de Rei, Cristo atua como o vice-regente do Pai no governo do mundo; um dia sua vitória e senhorio se manifestarão plenamente. Em seu ofício sacerdotal, ele foi um Mediador puro e imaculado que aplacou a ira de Deus e fez perfeita satisfação pelos pecados humanos. • Calvino observa que Deus poderia resgatar os seres humanos de outra maneira, mas quis fazê-lo através do seu Filho. Ele dá ênfase não tanto à justiça de Deus, mas à sua ira e amor, ambas ilustradas na obra de Cristo. Não somente a morte de Cristo tem efeito redentor, mas toda a sua vida, ensinos, milagres e sua contínua intercessão nos céus, à destra do Pai. A obra expiatória de Cristo tem também um aspecto subjetivo, pelo qual somos chamados a uma vida de obediência. 6. A VIDA NO ESPÍRITO • Toda a obra de Calvino pode ser interpretada como um esforço de formular uma espiritualidade autêntica, isto é, uma vida no Espírito, baseada na Palavra de Deus revelada, vivida no contexto da igreja e direcionada para o louvor e a glória de Deus. O Livro 3 das Institutas é um belo tratado sobre a vida cristã no qual Calvino elabora uma grande quantidade de tópicos como a obra do Espírito Santo, fé e regeneração, arrependimento, negação de si mesmo, justificação, santificação, oração, eleição e ressurreição. Três deles merecem destaque especial: 6.1. Fé • Calvino começa por rejeitar certas noções equivocadas: “fé histórica” (mero assentimento intelectual), “fé implícita” (submissão ao juízo coletivo da igreja), “fé informe” (estágio preliminar da fé). O que é então a fé? “Um conhecimento firme e certo da benevolência de Deus para conosco, fundada na verdade da promessa dada gratuitamente em Cristo, revelada a nossas mentes e selada em nossos corações pelo Espírito Santo” (Institutas 3.2.7). • Antes de ser uma capacidade inata do ser humano, é um dom sobrenatural do Espírito Santo. É também uma resposta humana genuína pela qual os eleitos ingressam na sua nova vida em Cristo. Entre os efeitos da fé estão a regeneração, o arrependimento e o perdão dos pecados. • O arrependimento é “a verdadeira conversão de nossa vida a Deus, procedente de um sincero e real temor de Deus, que consiste da mortificação de nossa carne e do velho homem e da vivificação do espírito” (Inst. 3.3.5). É um processo contínuo que deve estender-se por toda a vida. • Embora possa ser assaltada por dúvidas, a fé verdadeira por fim triunfará sobre todas as dificuldades. Os descrentes podem, quando muito, ter uma “fé temporária”. Já os crentes verdadeiros, ainda que cometam pecados, mesmo pecados graves, são sustentados pelo Espírito e finalmente não irão perder-se. 6.2. Oração • O mais longo capítulo das Institutas é dedicado à oração, que Calvino chamou “o principal exercício da fé e o meio pelo qual recebemos diariamente os benefícios de Deus”. Porém, se toda a vida cristã, desde o primeiro passo até a perseverança final, é um dom de Deus, por que orar? A resposta é que os fiéis não oram para informar ou convencer Deus de alguma coisa, mas para expressarem sua fé, confiança e dependência dele. • Calvino propôs quatro regras para a oração: (a) reverência: evitar toda ostentação ou arrogância; (b) contrição: deve proceder de um coração arrependido; (c) humildade: ter em mente a glória de Deus; (d) confiança: firme esperança de que a oração será respondida. Isso se aplica tanto à oração individual quanto às orações coletivas da igreja. A oração é a parte principal do culto a Deus (Is 56.7; Mt 21.13). 6.3. Predestinação • Calvino usou a palavra “predestinação” pela primeira vez na edição de 1539 dasInstitutas. A sua doutrina nessa área não tem nada de original: nos pontos essenciais ele não difere de Lutero, Zuínglio ou Bucer, os quais recorreram todos a Agostinho. A inovação de Calvino consistiu no lugar em que colocou a doutrina em seu sistema teológico, não em conexão com a doutrina da providência (Livro I), mas no final do Livro III, que trata da aplicação da obra da redenção. • Calvino não começou com a predestinação e depois foi para a expiação, regeneração, justificação e outras doutrinas. Ele a introduziu como um problema resultante da pregação do evangelho. Por que, quando o evangelho é proclamado, alguns respondem e outros não? Nessa diversidade, ele afirmou, torna-se manifesta a maravilhosa profundidade do juízo de Deus. Trata-se, pois, de uma preocupação pastoral. • A doutrina de Calvino sobre a predestinação pode ser resumida em três termos: (a) absoluta: não é condicionada por quaisquer circunstâncias finitas, mas repousa exclusivamente na vontade imutável de Deus; (b) particular: aplica-se a indivíduos e não a grupos de pessoas; Cristo não morreu por todos indiscriminadamente, mas somente pelos eleitos; (c) dupla: Deus em sua misericórdia ordenou alguns indivíduos para a vida eterna e em sua justiça ordenou outros para a condenação eterna. • Calvino cria que essa doutrina era claramente encontrada nas Escrituras e não queria dizer nada sobre a predestinação que não pudesse ser tomado da Bíblia. Ele também não permitiu que a doutrina fosse usada como desculpa para não proclamar o evangelho a todos. De fato, na história da igreja, alguns dos maiores evangelistas e missionários foram firmes defensores dessa doutrina (George Whitefield, Jonathan Edwards). 7. OS MEIOS EXTERNOS DE GRAÇA • No Livro IV das Institutas, Calvino trata dos seguintes temas: a igreja verdadeira e seus oficiais, o desvios do romanismo, os sacramentos, o governo civil. Calvino também aborda essas questões nos seus comentários das Epístolas Pastorais. 7.1. Pressupostos • Calvino, mais que os outros reformadores, preocupou-se com a relação entre a igreja invisível e a igreja como uma instituição que pode ser reconhecida como verdadeira através de certas marcas distintivas. As marcas que constituem a igreja visível são, acima de tudo, a correta pregação da Palavra e a fiel ministração dos sacramentos. Embora não tenha incluído a disciplina eclesiástica entre as marcas da igreja, ele certamente a valorizava. • A preocupação de Calvino com a ordem e a forma da congregação resultou de sua ênfase na santificação como o processo e o alvo da vida cristã. Em contraste com a ênfase luterana unilateral na justificação, Calvino deu precedência à santificação. O contexto da santificação é a igreja visível, na qual os eleitos participam dos benefícios de Cristo não como indivíduos isolados, mas como membros de um corpo. Assim, a igreja visível torna-se uma “comunidade santa”. • A eclesiologia de Calvino tem dois pólos em contínua tensão: a eleição divina (igreja invisível) e a congregação local (igreja visível). Por isso, a igreja ao mesmo tempo enfrenta perigos mortais e é preservada por Deus. A igreja visível é um corpo misto composto de trigo e joio; já a igreja invisível compõe-se de todos os eleitos (inclusive anjos, fiéis do Velho Testamento e eleitos que se encontram fora da igreja verdadeira). 7.2. A igreja como mãe e escola • A igreja é a mãe de todos os crentes porque os leva ao novo nascimento através da Palavra de Deus, bem como os educa e alimenta durante toda a sua vida. Esse caráter maternal da igreja é visto de modo especial na sua ministração dos sacramentos. • O batismo é o ingresso do crente na igreja e o símbolo de sua união com Cristo. Ele visa confirmar a fé dos eleitos, mas deve ser aplicado a todos os que estão na igreja visível. Quanto à Santa Ceia, Calvino adotou uma posição intermediária entre Lutero e Zuínglio. Embora Cristo esteja nos céus à destra do Pai, a ceia não é mero símbolo, mas um meio de “verdadeira participação” em Cristo (Inst. 4.17.10-11). • A igreja é também uma escola que instrui seus alunos no caminho da santidade. Essa instrução perdura por toda a vida e também se dirige aos alunos rebeldes, na esperança de que um dia sejam transformados. 7.3. Ordem e ofício • Calvino encontrou nas Escrituras o quádruplo ofício de pastor, mestre, presbítero e diácono, que é a base da forma de governo incorporada nas Ordenanças Eclesiásticas. • Ele cria que os ofícios de profeta, apóstolo e evangelista eram temporários e cessaram no final da era apostólica. Dentre os ofícios que permaneceram, o de pastor é o mais honroso e o mais necessário para a ordem e o bem-estar da igreja. Depois da aceitação de doutrinas puras, a nomeação de pastores é a coisa mais importante para a edificação espiritual da igreja. • Para ser escolhido, o aspirante deve preparar-se e depois ser comissionado publicamente segundo a ordem prescrita pela igreja. Em Genebra, esse processo incluía a companhia de pastores, o conselho municipal e a igreja. A ordenação é um rito solene de instalação no ofício pastoral. • As funções dos pastores são ensino, pregação, governo e disciplina. Os pastores devem ter um profundo conhecimento das Escrituras para que possam instruir corretamente as suas igrejas. Sua pregação deve revelar conhecimento e habilidade para ensinar. A pregação visa a edificação da igreja e deve ser prática e perspicaz. A função disciplinar do pastor requer que a sua própria conduta esteja acima de qualquer suspeita. 7.4. A igreja e o mundo • Calvino rejeitou o conceito anabatista de que a igreja devia isolar-se da sociedade e cultura circundantes. A relação entre a igreja e o mundo inclui tanto tensão quanto interação. O seu entendimento do governo de Deus e da soberania de Cristo sobre toda a criação, e não somente sobre a igreja, levou-o a defender a participação na sociedade. • O governo de Cristo deve manifestar-se idealmente através de governantes piedosos. Os magistrados deviam manter a ordem cívica e a uniformidade religiosa. Todavia, igreja e estado têm esferas separadas e autônomas de atuação. Os cristãos devem obedecer até mesmos os governantes que oprimem a igreja, orando por seu bem-estar, porque foram instituídos por Deus. Fonte: George, Timothy. Teologia dos reformadores. São Paulo: Edições Vida Nova, 1994.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

A IGREJA DE DUAS ASAS!

Por: Gilberto Pires de Moraes A história nos mostra que quando Jesus fundou a Igreja através dos Doze, ela tinha dinâmica familiar, mas também tinha a dinâmica comunitária. Em Atos 2:42-47, diz que eles estavam juntos nas casas e no Templo. Atos 5:42 diz que “...todos os dias, no Templo e de casa em casa, não cessavam de ensinar e de pregar Jesus, o Cristo...”. Atos 20:20 fala que o Evangelho era anunciado publicamente e de casa em casa. É clara a evidência de que a Igreja foi fundada sobre a base de comunidade e corporativismo; com reuniões nos lares e reuniões coletivas. Vemos aqui uma igreja de “duas asas”! Até o século IV, por volta do ano 313 d.C., a Igreja vinha crescendo de maneira bíblica e equilibrada, havia um sentimento forte e perseverante da Igreja em permanecer na doutrina dos apóstolos primitivos, mesmo em face das heresias que bombardeavam o cristianismo de todos os lados. Paralelamente a isso os cristãos sofriam a sua pior perseguição desde seu nascimento empreendida pelo Império Romano, mas mesmo assim os cristãos não paravam de multiplicar e foi através desta visão de grupos pequenos e coletivos que o Evangelho foi espalhado pelo mundo afora, impactando aquela época. Porém, quando o Imperador Constantino subiu ao poder, ele promulgou um edito de tolerância proibindo toda e qualquer perseguição aos cristãos dentro do Império Romano, embora a preocupação dele fosse apenas política e não religiosa. Mais tarde, no ano de 395 d.C, o Imperador Teodósio instituiu o cristianismo como a religião oficial do Império. A Igreja foi ganhando espaço e havia muitos interesses políticos que a rondavam. Muitas propriedades foram doadas à Igreja e aos poucos seus templos foram sendo construídos e a coletividade da mesma crescendo. Com isto, a Igreja perdeu a visão da Igreja de duas asas. A “asa do grupo pequeno” se tornou cada vez mais fraca, por falta de exercício, até atrofiar e tornar-se um apêndice sem vida e sem utilidade, ao lado da asa exagerada do grupo grande. A Igreja de duas asas que havia planado nas maiores alturas tornou-se agora uma Igreja de uma asa, as reuniões simples nas casas que geravam comunhão e pastoreamento, deu lugar aos templos suntuosos e a multidões de um líder só Os cultos nas catedrais passaram a ser a tônica do Cristianismo, se transformando em grande força político-social, mas perdendo seu contexto espiritual. Do século IV ao século XX, a Igreja esteve firmada sobre o sistema corporativista, na base de “clero e leigos”, tornando-se então a Igreja de uma asa só. É claro que houve alguns remanescentes da Igreja de duas asas, mas tão poucos que não se fizeram muita diferença. Com isto, a Igreja do Senhor Jesus viveu uma realidade escura e agora, no século XX, ressurgiu a realidade de comunidade, a outra asa da Igreja, mas muitos grupos e denominações têm abandonado de maneira radical a asa do corporativismo, voltando, assim, somente à prática da Igreja nos lares, em comunidade, e, às vezes, até pregando que a base do corporativismo não é algo de Deus. Isso é um equívoco! A verdade é que no período “escuro” da Igreja houve um desequilíbrio para o lado do corporativismo, mas agora, em muitas realidades têm havido um desequilíbrio para o outro lado, o lado de comunidade. O que Deus deseja é o equilíbrio das duas asas. Diante da compreensão das Escrituras creio que Deus deseja que sejamos uma “igreja de duas asas”. Uma igreja que leva a multidão a “celebrar” e que se reúne em grupos pequenos para “integrar e multiplicar”. A qualidade um encontro caseiro, onde vários grupos se reúnem diante de um propósito e debaixo de uma supervisão, produzirá naturalmente celebrações mais genuínas e integradas ao propósito da Grande Comissão (Mt.28.18-20). Estas “duas asas” da igreja geram adoração, comunhão, evangelismo e liderança. Diante de um mundo tão corrido precisamos remir o tempo e trabalhar com inteligência e foco. Nossa visão neste novo ano é fortalecer nossas celebrações dominicais e incentivar as pessoas a valorizarem relacionamentos através dos grupos pequenos. Creio que assim como Jesus tinha um ministério público (multidão) e particular (O grupo dos Doze), da mesma forma a igreja deve se comportar, valorizando suas celebrações dominicais e os encontros para relacionamento durante a semana. Portanto reflita: a) A igreja em celebração – são nossos ajuntamentos com toda a igreja local no domingo. Neste espaço o desafio é levar a comunidade reunida a amar ao Senhor de todo coração, intelecto, forças e ser... uma igreja que ama a Jesus e o prioriza como Senhor. b) A igreja em grupos – “são as mãos e as pernas” do Corpo de Cristo, onde os crentes estrategicamente distribuídos em grupos caseiros compartilham a Palavra informalmente, oram, cantam, evangelizam e são treinados para a multiplicação. A ideia neste ajuntamento e levar as pessoas a amarem ao próximo, priorizando relacionamentos. c) A igreja em ação por meio de dons ou ministérios – A celebração dominical e do grupo caseiro semanal levará a igreja a exercer a mutualidade, os mandamentos recíprocos como também o exercício dos dons e ministérios. O fazer não será mais um mero ativismo confinado a 15% de pessoas da igreja, mas a igreja toda. Aleluia! Uma igreja com uma celebração teocêntrica e uma vida comunitária mais participativa, não presa a meros programas, mas a relacionamentos... Uma igreja mais comunitária e menos clerical. Minha oração é que a igreja seja corajosa, bíblica e vibre com aquilo que Deus vibra. Que Deus assim nos abençoe nesta empreitada. Rev. Gilberto Pires de Moraes